Se você já passou mal jogando algum videogame, seja bem-vindo ao clube. É que jogos com muito movimento podem provocar uma confusão de estímulos já que, apesar de estarmos parados, nossos olhos dizem que estamos em movimento.
“É como se desse um tilt entre os sistemas, porque essas informações não são iguais, não são conjugadas. E é aí que a pessoa sente uma sensação de enjoo, esse mal-estar”, explica a otorrinolaringologista e pesquisadora Mônica Alcantara de Oliveira Santos.
A confusão ocorre entre os sistemas sensoriais responsáveis pela sensação de equilíbrio, através da captação de respostas do meio externo: “Os três principais que a gente define são a visão; a propriocepção, que é um tipo de tato especial; e o labirinto, que seria o sensor de movimento. Tudo isso vai para uma região no sistema nervoso central e é entendido lá dentro, junto do cerebelo, que organiza todas as informações.”
Condição tem o nome de cinetose
Os sintomas podem vir acompanhados de outros, como dor de estômago e dor de cabeça, e constituem uma condição chamada cinetose. Ela ganha um nome especial quando falamos de jogos: do inglês, cybersickness, adaptação do termo motion sickness, que significa enjoo de movimento.
Mas não é só jogando que a cinetose vem à tona: ela também pode aparecer em outras situações que provocam conflitos sensoriais, como ao usar óculos de realidade virtual, assistir filmes em 3D ou viajar de carro.
“Quando você está viajando de carro, sentado no banco de trás, seu olho está olhando para dentro do carro e não vendo o movimento. Então você sente o movimento, mas um de seus sentidos diz que você está parado.”
Também é por isso que algumas pessoas passam mal ao usar o celular ou tentar ler no carro: o sentido da visão diz que ela está parada, mas os outros responsáveis pela sensação de equilíbrio denunciam o movimento.
Nos óculos de realidade virtual, principalmente em modelos mais antigos, os espaços entre os pixels na tela podem ficar visíveis, o que é conhecido como screen door effect. O efeito, que dá uma aparência de grade à tela, causa desconforto visual e pode gerar enjoo. Quando o problema está relacionado a isso especificamente, a troca por óculos de melhor qualidade ou um modelo mais atualizado pode resolver a situação.
Alguns jogos mais recentes até identificaram o problema e tomaram medidas para minimizar os enjoos. Segundo o site Eurogamer, pessoas que testaram o título Sonic Frontiers, lançado em 2022, tiveram os enjoos e não conseguiram jogar. O produtor do game disse que foram realizadas ações para reduzir os episódios indesejáveis, sem especificá-las, no entanto.
Crianças e pessoas com enxaqueca têm maior suscetibilidade à cinetose
Santos relata que algumas pessoas têm maior suscetibilidade à condição, como aqueles com familiares que também a tem ou pacientes com enxaqueca. “Não é algo obrigatório, mas pacientes com enxaqueca têm mais chance de ter esse enjoo de movimento”, explica.
Além disso, crianças costumam ter esta característica. “É super comum a gente escutar a história de que ‘quando eu era criança e viajava com meus pais, tinha enjoo, mas depois melhorou’. Isso porque a gente trata a cinetose através da exposição. Então à medida que você vai fazendo o exercício de se submeter a esse estresse, a esse movimento, você vai fazendo com que seus sistemas se acostumem a isso e aprendam a conviver desse jeito, e vai melhorando aos poucos.”
Ou seja: deixamos de ter a condição porque o nosso corpo se acostuma com a exposição à confusão de estímulos ao longo do tempo, em um esquema de compensação.
Por conta dele, Santos conta que houve um aumento de queixas de cinetose após o período mais intenso da pandemia de covid-19: “As pessoas andaram menos de carro, viajaram menos, andaram menos de barco, então elas se mantiveram menos em movimento. E aí é como se as pessoas que já tinham uma certa sensibilidade não tivessem feito o seu exercício de todo dia, então passaram a ter um aumento dessa incidência de cinetose.”
Como funciona o tratamento?
A condição costuma diminuir com o tempo, conforme há maior exposição ao conflito de estímulos. Inclusive, é por isso que há crianças que deixam de ter enjoo de movimento conforme envelhecem.
Porém, há situações em que Santos recomenda buscar tratamento: “Quando a situação leva a um prejuízo na qualidade de vida, ou quando se planeja fazer uma viagem de navio, para parques de montanha-russa, e já sabe que normalmente se sente mal, tem como tratar antes.”
O diagnóstico é feito por otorrinolaringologistas, que então encaminham para fonoaudiólogos, fisioterapeutas e otorrinolaringologistas que tratam a condição. “Na reabilitação, você vai submeter o indivíduo a movimentos, exercícios que forcem esse conflito. Com isso, ele vai se sentir um pouquinho mal todos os dias, mas isso começa a fazer o sistema nervoso central dele se adaptar e aprender a trabalhar com aquela realidade.”
Assim, da mesma forma que os jogos e óculos de realidade virtual podem provocar esta condição, eles também podem ser ferramentas para tratá-la. “Mesmo sendo uma realidade nova, podem ser utilizadas como forma de tratamento. A gente tem experiências em termo de videogame para tratamento desde a época do Wii Fit”, conta a médica.
Passo mal com jogos; o que fazer?
No caso dos jogos, há algumas ações que podem atenuar os enjoos. O editor do Voxel, Vinícius Munhoz, elencou dicas para quem enfrenta o problema e cita jogos que podem agravar a situação. Leia abaixo.
Em alguns jogos (geralmente no PC, que oferece mais customização), desabilitar alguns recursos ajudam a reduzir a cinetose. As opções consistem em:
- Aumentar o Field of View (FOV ou campo de visão) sempre que possível, algo que auxilia o jogador a enxergar mais o ambiente do game (infelizmente, alguns jogos de terror não oferecem essa personalização);
- Desabilitar o motion blur (ou borrão de movimento), recurso que cria rastros de desfoque nos objetos em movimento;
- Se possível, desligar o head bob, ou seja, o efeito de balanço de câmera que alguns games oferecem para aumentar a imersão (títulos em que explosões balançam a tela, caminhar cria solavancos na câmera etc);
- Colocar uma retícula no display, mesmo que seja em forma de adesivo caso o game não ofereça, para ter uma referência fixa na tela;
- Jogar na maior performance possível, ou seja, com a maior taxa de quadros por segundo que o PC ou console ofereça (em outras palavras, melhor jogar um game com melhor desempenho e sem passar mal do que um jogo bonito). Títulos que rodam mal e têm travamentos perceptíveis podem agravar bastante a cinetose, especialmente quando a câmera é em primeira pessoa.
- Ligar o ar-condicionado ou ventilador: pode parecer uma dica boba, mas ter vento no rosto e temperaturas menores podem ajudar muito;
- Mastigar chiclete.
Entre os maiores vilões de quem sofre com o enjoo de movimento estão os títulos em perspectiva em primeira pessoa (que nos colocam na “visão do personagem”, como Call of Duty, Bioshock, Doom e outros). Em jogos com esse estilo de câmera e esse nível de ação, todas as dicas acima são ainda mais importantes.
Jogadores de PC não devem ter problemas em desabilitar ou ajustar os elementos citados acima, mas nos consoles a história pode ser um pouco diferente. Videogames de mesa têm uma arquitetura mais fechada e não dá um leque de personalização tão alto, mas cada vez mais desenvolvedoras e distribuidoras têm se atentado a oferecer opções de acessibilidade em seus games.
FONTE: Tecmundo