Mauro Berimbau, professor da área de games da ESPM, comenta as mudanças no comportamento do consumidor de jogos e como a indústria está se tornando cada vez mais digital
“Em certos aspectos, algumas [mídias físicas na indústria dos games] já acabaram!”, afirma Mauro Berimbau, professor da ESPM em disciplinas da área de games e consultor da GoGamers. “Atualmente, temos três principais plataformas de jogos digitais — os clássicos consoles de videogame, os computadores e os smartphones. Smartphones contemplam apenas jogos digitais e correspondem ao maior consumo hoje”, observa.
Games de sucesso no mundo dos consoles, como Assassin´s Creed e Fifa, cada vez mais, migram para o digital. “Nesse caso, mesmo com a compra da mídia física (que é possível), ao colocá-la no console já são baixadas as atualizações e serviços online. Isso significa que há muito conteúdo no ambiente digital, mesmo que não esteja na mídia física propriamente dita”, acrescenta o especialista.
Alguns consoles, como novas versões do Xbox (da Microsoft), também já não contam com entrada para mídia física. Além disso, existem os jogos que são apenas serviço: ao ligar o game, paga-se o acesso ao espaço de jogos massivos online, em uma lógica do parque de diversões. Dependendo do jogo, é um ingresso só, enquanto em outros dá para jogar com outras pessoas e comprar itens online.
O professor lembra que lojas digitais também ganharam grande relevância para a indústria dos games. “As pessoas baixam jogos direto do site do Playstation, do Steam (no caso dos PCs), direto da Google Play (smartphones)”, lembra Berimbau.
Jogos em nuvem
Várias empresas (Apple, Sony, Google e, especialmente, a Microsoft) têm apostado nesse espaço — no qual não é necessário mais possuir um hardware ou um supercomputador para jogar. O processamento do game concentra-se em supercomputadores e/ou nuvens (de algum lugar) e paga-se o acesso a eles, em uma lógica semelhante à da Netflix.
“Ainda está no começo, mas é mais um sinal de que estamos caminhando para o puro digital. Desenvolvedores de jogos digitais já alertam que, no futuro, daqui a dois três anos, o cenário possa ser 100% digital. Com base nesses argumentos, o físico, de certo modo, já não será mais tão importante”, avalia o professor.
Obstáculos para a digitalização total
O professor avalia que, assim como outras indústrias, na de jogos também haverá o mercado do colecionismo, de apreciadores da mídia física que estão dispostos, muitas vezes, a pagar até mais caro para tê-la. “Nos Estados Unidos, há uma empresa [Limited Run] que fabrica a mídia física — espécie de versões de colecionadores — de jogos antigos e novos, sucessos da indústria independente, produtos lançados apenas no Japão, que vêm com pôster, medalhas, objetos e são caros. Algo que digitalmente pode custar 5 ou 10 dólares. Mas, que na loja sai por 100, para atender a uma produção sob demanda desse fandom”, explica.
Outra barreira apontada pelo especialista é a baixa qualidade de conexão à internet em alguns países. “Não podemos esquecer também que, no nosso País, não é tão simples baixar um jogo online, que consome muitos gigabytes, especialmente em áreas onde não há infraestrutura de internet que comporte essa demanda.”
No caso da nuvem, há ainda uma dificuldade técnica, o processamento dos games. “Os jogos têm arquivos e tempo de consumo maiores, são produtos diferentes que envolvem muita tecnologia. Por isso, o streaming de jogos ainda não conseguiu se consolidar, tanto do ponto de vista da produção quanto do comercial”, esclarece.
Vantagens da digitalização
Redução de custos
“Ao eliminarmos a necessidade da distribuição, o custo da produção e distribuição do físico, o investimento vai para outras demandas”, explica Berimbau. “Os custos de produção e a qualidade dos jogos também cresceram muito. Então, a indústria tem buscado estratégias para diminuir despesas e fazer jogos mais acessíveis. Há muitos anos, o valor em dólar é mais ou menos o mesmo o para os jogos digitais (entre 50 e 60 dólares por lançamento).”
Serviços de assinatura e games gratuitos
“Além disso, nunca tivemos, na história da indústria de jogos, tantos gratuitos: muita coisa pode ser baixada de graça no celular, no Playstation ou em um Xbox, ofertas que vêm com o aparelho e outras sem custo na loja online, além de serviços de assinatura mensal de pequeno valor, que permite o acesso de grandes jogos, inclusive os caros, aos seus usuários. Há uma década, só era possível comprar fisicamente cada um desses jogos.”
Comodidade
O modelo atende também ao novo comportamento de consumo — as pessoas não estão interessadas em “ter” um carro, mas compartilhá-lo, por exemplo. No caso dos games, não interessa o físico, mas o que ele proporciona, como a acessibilidade. “Jogar na hora que quiser, na plataforma desejada, privilegiando a comodidade a preço baixo”, acrescenta o especialista. “O movimento da digitalização atualiza constantemente os jogos, sendo que, a cada expansão, o preço é bem mais baixo.”
Risco para os gamers
Como desvantagem, o especialista cita que a compra do jogo digital é, na verdade, um “acesso”. Ao se desfazer de sua conta Google, Steam, Sony ou da Microsoft, há a perda a esse acesso. Nenhum consumidor imagina que alguma delas possa fechar, certo? “Estamos dando às empresas o poder do vínculo que esses games criam na vida das pessoas, uma vez que fazem parte da rotina de muitos, de comunidades que se reúnem digitalmente, durante anos, para jogar.”
Fonte: #trendings